RESENHA

MÁRIO (& ROSINA): ENTRE O HUMOR E UMA QUASE DOR
por Maria Heloisa M. de Moraes
Doutora, professora de literatura.

A proposta era fazer uma revisão no texto, como tantas que já fiz. De início estranhei muito o estilo, a linguagem que fui encontrando. Mas segui meu trabalho, cuidando em corrigir tudo que encontrava que fugia daquilo que a gramática considera correto, respeitando, é claro, as ocorrências próprias da linguagem coloquial, mais informal, especialmente nos diálogos. E a certa altura percebi que tinha um grande desafio pela frente: respeitar o estilo da autora, sua escrita peculiar, e tentar conciliá-la com aquilo que necessariamente teria de seguir a norma gramatical, sob pena de, se não respeitado tal critério, sua narrativa se transformar em algo de difícil leitura, ou mesmo incompreensível em certos momentos.

Mas a continuidade da leitura foi me mostrando um texto no mínimo perturbador. E então a professora de literatura juntou-se à revisora (ou dominou-a, algumas vezes). E voltei ao início do texto, para observá-lo de forma diferente. Pela liberdade com que a autora lida com a estruturação da frase; pelo jogo bem próprio que faz ao usar a pontuação, carecendo muitas vezes de minha interferência (sinto muito!!!) para “clarear” mais um pouco o texto; pela divisão dos capítulos; mas, principalmente, pelo uso de termos absolutamente inesperados, misturados, a narrativa apresenta-se como uma proposta literária bem pessoal.

A criação de neologismos usados pela personagem Mário, por exemplo, levanta uma questão muito interessante. Os neologismos misturam-se com um tipo muito próprio de corruptelas de palavras pouco conhecidas ou não compreendidas pelo narrador protagonista, que resolve suas dúvidas criando esses novos termos. E o uso de palavras do campo semântico da oficina e da profissão de mecânico – graxa, resina, marcas de carro e muitas outras – para fazer suas metáforas, para falar de seus sentimentos, faz da fala de Mário algo absolutamente imprevisível para o leitor. E a interjeição criada por ele: FACAS!!!!

Esse conjunto de inovações traz para o texto um humor novo, que consegue ser ao mesmo tempo leve e intenso, levando, em alguns momentos, a interessantes reflexões, o que, aliás, é uma das propriedades do humor.

E merece um olhar especial a “cultura” e a “sabedoria” de Rosina: chegamos ao final da narrativa sem saber se ela realmente as possui ou se tudo é fruto de sua capacidade imensa de assimilar termos e decorar frases. Isso em contraste com um Mário que parece simplório, mas, na realidade, é apenas um homem simples, seguro de suas convicções, seus sentimentos, embora não os saiba expressar com clareza – ou da forma que Rosina gostaria de ouvir. E como ele teme ter sentimentos! Nem percebe que os carrega em cada fala que diz!

Um último ponto que me chamou a atenção: um erotismo explícito em alguns momentos, implícito em outros, mas sempre presente. Um erotismo mesclado com simplicidade de linguagem, descontração e poesia, a poesia que pode estar nas coisas e situações mais inesperadas, como, no caso de Mario e Rosina, no mundo da mecânica e no mundo da cozinha.

Enfim, gostei muito do livro. Aparentemente despretensioso, pra mim resultou numa narrativa comovente, no melhor sentido da expressão; que comove pela aparente simplicidade com que fala da condição humana, com que nos faz rir do desencontro amoroso, sem pieguice. E o melhor: numa linguagem bem autoral, simples e ao mesmo tempo bastante criativa, sem medo do novo.

Parabéns, Karina.

Maceió, nov/2020.